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Diários de Havana I

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Livan

            Quando cheguei a Cuba, fiquei no Hotel Los Frailes. Muito legal. Era um antigo convento, com suas fontes, trepadeiras, adegas… Os apartamentos são as mesmas celas que foram habitadas pelos frades no século XIX. Só mesinha, cama de madeira escura, um criado mudo, candelabro com lâmpadas simulando velas e uma banheira que parece ter sido a mesma usada pelos antigos beneditinos. Tudo funcionava, mas a contragosto.

Depois de comer um sanduíche de presunto híbrido de soja, num pão de todo tamanho, com uma garrafa de vinho (espanhol, muito bão!) e de passar uma noite no máximo razoável dormindo no catre, resolvi ligar pra Vitória, em busca da pensão que me prometera. Tudo bem, ela disse que Livan estaria passando à tarde para me pegar.

Dei um giro e voltei pro hotel. Fiquei por ali assuntando. Era até bonito. No hall, um grupo tocando clarinetas. Maravilhoso. Tocaram todos os clássicos: Solamente uma vez, Amor Amor, La Barca, Blue Moon, Besame Mucho… e ainda Luzes da Ribalta (Limelight), I Just Call to Say I Love You ( que aqui se chama xxx), o tema de Romeu e Julieta… Comprei o CD deles (aliás, dois, pra dar um de presente).

Do lado de fora, uma ninfeta tirando fotos de casamento para aparecer ao lado da escultura do frade que dá nome ao hotel.

Livan, enfim, passou. Muito prestativo, entrou, deu suas saudações revolucionárias para a recepcionista, ajudou-me a botar as tralhas dentro de seu Lada velho e saímos por Havana Velha, cheios de razão.      A pensão era o piso superior de sua própria casa, um sobrado na Rua Escobar, meio baleado por fora, mas arrumadinho por dentro. Fiquei num quarto/banheiro com TV e ar condicionado, um conjunto de som poderoso, um guarda-roupa aberto, com uns travessões de madeira para pendurar roupa e um estrado onde ficavam as roupas dele e da mulher, misturando-se às minhas. Disponibilizou-me o fogão, a geladeira e todos os petrechos de cozinha que ficavam no andar de baixo, contíguo a seu quarto. Era quase como se eu fosse da família.

Cunhado de Tânia Rum, Livan tinha sido colega de Vitória na graduação. Filiado ao Partido, no princípio pareceu-me um dissidente, pelas reiteradas críticas ao regime, mas, depois, como se verá a seguir, descobri que a coisa era bem diferente.

Nos primeiros dias, utilizei sua copa-cozinha. Botei lá meus capucino, nescau e leite em pó, incrementados com rum e cerveja, que ninguém é de ferro. Pela manhã, eu saía para comprar pão e mantequita. Mas dificilmente os encontrava. Ele e a mulher saíam para trabalhar cedo, exatamente no meu período de caminhada, e suas preferências matinais não eram as mesmas minhas. Comiam muito presunto com ovo frito e queijo (na verdade, um requeijão massudo) e café. Tinham, às vezes, um suco de laranja meio ácido, que tentei, mas não consegui incorporar ao meu cardápio. Quando acabou o suprimento que eu trouxe, achei que não seria justo consumir o deles e passei a tomar café da manhã no Hotel Inglaterra. Digamos a verdade, mudei mesmo foi por comodismo. No velho Hotel Inglaterra tinha frutas, mamão e laranja (doce), biscoitinhos, dois tipos de pão, café com leite (tudo regrado) e uma misturinha de frutos do mar ao vinagrete, para por dentro do pão, deliciosa.

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