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Tradable e não tradable
O cubano chama o peso conversível, CUC, de dólar. Bom, quando a taxa era de um pra um até que dava. Agora não. Valendo 20% mais, o cara dá o preço em CUC e quando você paga em US$ ele fica puto. Ainda não entendi bem o critério do governo sobre o quê deve ser pago em peso conversível ou em peso nacional (se bem que ambos são conversíveis). Um peso conversível vale 24 pesos cubanos (se bem que ambos são pesos cubanos, hehehe).
Serviços telefônicos, livros de interesse do governo, sessões de cinema, jornais (só tem dois) e hortaliças têm preços em pesos nacionais e conversíveis. Cerveja, refrigerante, biscoitos, só em conversível. Já cigarros, tem um da cesta básica (da libreta de racionamento) que pode ser pago em moeda nacional. Barato, mas mata-rato. Os outros, só com peso conversível.
Passo numa Cadeca. Cadeca é Casa de Câmbio. Há muitas em Centro Havana. Poucas ficam abertas aos domingos e feriados. São fundamentais, porque a gente tem que ficar sempre trocando US$ ou Euros por CUC aos poucos, já que não se sabe quanto vai ficar de mico na nossa mão. Já pensou eu com 200 CUC no Brasil? São 240 dólares americanos indo pro ralo! Esta semana subiu a cotação do dólar perante o peso conversível. Era de 0,80 e passou para 0,89. Com os mesmos dólares compram-se mais pesos conversíveis. Mas continua 1 peso conversível (CUC) = 24 pesos cubanos (?). Tem lógica?
Bebi/comi uma bebida numa filona do calçadão da Calle Obispo. O cara da cola diz que é energizante: ostras com suco de limão e um molho vermelho. Abri mão da pimenta e do sal, que você punha separado. Achei que ia ser muito pra minha pressão. Comprei um copinho, 5 pc$. Baratinho. Tinha uma porção maior por 10 pc$: um copo de 300 ml cheio até o talo. Cara, fiquei turbinado! Se tivesse tomado a porção de 10 ia sair dali pulando. Deixa o DEA saber desse negócio (o DEA não, que não apita nada por aqui; talvez alguma agência antidrogas da ONU. Bom, um contrassenso: se a ONU tivesse agência antidrogas ia ter de combater a si mesma!).
Os livros do La Moderna Poesia são caros. Pelo menos pra mim e pros cubanos. Acabei levando uns de cinema: “Image and Representation”, 29 cuc; “Notas sobre Apocalipse Now, de Eleanor Coppola”, 6,20 cuc; “Filmando”, um livrinho bem pequeno, 2,50 cuc. Parece que não, né, mas são respectivamente, 90, 19 e 8 reais; ou seja, gastei quase 120 reais numa comprinha bem questionável.
O pessoal aqui come o tempo todo. Deve ser psicológico. No horário de almoço então… Uns sanduichões indigestos, de uns blocos de presunto enriquecido com soja, vendidos com refresco de laranja ou goiaba, bem aguadinhos. E umas minipizzas feitas na hora. Tirei um dia pra experimentar de tudo. Foi foda, minha pressão foi lá pra casa do caralho! Mas sobrevivi. À noite, ao ver 15 por 10 no aparelhinho, tomei uns dois Vasopril e corri pro abraço. No dia seguinte voltei à cautela. Ainda bem que rum baixa pressão. Dizem. E parece que é verdade. Mas meus experimentos careciam de um melhor controle das variáveis: tomava rum puro, mojito – que leva açúcar e hortelã em folha –, depois chá de erva-doce no Hotel Inglaterra… Aí, não tem pressão que aguente. A faxineira de Livan me trouxe uma libreta de racionamento. Pelo jeito não anda muito feliz com a situação. Diz que gostaria que eu fosse com ela visitar su mamá, que vive no subúrbio. “En las lomas”, como diz. Esse negócio da libreta é o seguinte: vai um assistente social e levanta quantas pessoas moram na habitação. Estipula, baseado num critério sei lá qual, quantas libras de manteiga, de pescado, maços de cigarro, garrafas de rum, arroz, feijão, café, açúcar, etc. a família pode comprar subsidiado. Nesta cesta só estão os bens tradable, que são aqueles que custam divisas (ou, se produzidos no país, valeriam), já que correspondem a bens comercializáveis no mercado internacional. São vendidos pra eles em pesos cubanos, bem baratinhos. O cara calcula mais ou menos pela renda familiar mensal. E faz o cálculo do consumo sempre por baixo. O resultado é que os bens da libreta acabam uns dez dias antes de chegar o fim do mês. Aí, a família que se vire pra sobreviver. Igual em grande parte do Brasil, né não?
É uma merda, mas tem uma lógica. Devido ao boicote liderado pelos norte-americanos, Cuba tem baixa capacidade produtiva, principalmente no setor de agronegócios, área em que os norte-americanos e seus asseclas dominam o mercado (tratores, fertilizantes, sementes, expertise…). O resultado é que o baixo orçamento cubano, cujas principais receitas provêm, basicamente, de açúcar, rum, charutos, turismo e da renda enviada pelos cubanos que moram nos USA, é insuficiente para pagar petróleo, saneamento básico, comida, remédios, livros, armas, computador, televisão, veículos e outros bagulhos necessários ao dia-a-dia. O Brasil manda muito é calçados, cigarros, roupa, biscoitos… essas merdinhas. Daí, que o governo estabelece prioridades para que 70% da população consigam viver dignamente. O resultado é que tem uns 30% que estão melhorezinhos e 70% piorezinhos, mas praticamente não tem mendigo nem doentes pelas ruas.
Os bens tradable é que são problemas. Afinal, eles recebem um salário ridículo, em peso cubano, e fica difícil comprarem os bens disponíveis no mercado internacional. O dinheiro não dá. Conseguem, no máximo, barganhar com alguns artigos: charutos e rum falsificados, fraudes na compra e venda de gasolina, nos postos; com medalhas e prêmios do esporte internacional de competição, como beisebol, vôlei, basquete, hóquei, box e esgrima. Que, no fundo, são tradable goods. Bem como algumas outras coisas…
Aliás, uma pergunta: buceta é tradable
Muito instrutivo.