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Cães de Havana
Parece nome de filme, mas é cachorro mesmo. Saio cedo para a caminhada diária pelo Malecón. Vou sempre por uma rua mais esburacada que as outras, com umas poças de esgoto e cocô de cachorro atravancando as calçadas. Subo no sentido da estátua do General Maceo, no final da pista. Não sei por que as pessoas gostam tanto de cachorro. Na verdade, eu mesmo até que gosto, mas a bicharada circulando descontrolada pela urbe é foda! Me lembra um pouco Copacabana. E Belo Horizonte. Lá, no bairro em que minha galera mora, há também uma cachorrada danada. E são metidos a brabos. Aqui em Havana esses passa-fomes esqueléticos são mais calmos, conformados; parece que reconhecem as dificuldades dos donos para lhes arranjar comida. Mas, como diz Enrique, o viadinho amigo da Tânia Rum, “quem tem um pedaço de pão para dar prum cachorro não pode se queixar de fome”. Peraí, Enrique, também não é para tanto. Ou é? Não sei.
Passo pelos pescadores ali na metade do calçadão, à beira-mar. São iguais aos da Pedra do Leme, no Rio. Chegam de madrugada, passam o dia inteiro e não pegam porra nenhuma. Quando pegam são umas cocoroquinhas magrelas que não dão nem pra uma fritada com mais de um convidado. Ficam agrupados em cima da mureta de concreto, num papo careca, com aquelas varonas inoperantes dando isca pros peixes o tempo todo. Acho que gostam mesmo é de ficar na muvuca, batendo um papo grupal. Na volta, vi que o magrelo de bermuda tinha pegado um bom, assim de dois palmos. Enfiou a cabeça dele num saquinho plástico, desses de supermercado, botou no bolso de trás e foi andando pela orla, vendo se pegava outro, o que eu duvidava muito. Gozado à beça ele, com o rabo do peixe saindo do meio da bunda.
Outro dia, conheci Calixto Rodriguez, pescador. Conversamos bastante. Emprestou-me a vara. Passava um cardume de marrara, uns lambaris grandotes. Peguei cinco em três minutos. Falamos sobre religião. Quando mencionei que o principal não era a liturgia, mas sim o aspecto sociocultural envolvido; que as pessoas usavam a religião era para se enturmar, achou a ideia interessante. Gosta muito do regime cubano, principalmente pelo que propicia de segurança física e financeira. Aposentado, trabalhou em auditoria, sob a direção de Che. Disse que se ele tivesse continuado em Cuba, o país seria hoje uma potência mundial, sob todos os aspectos. Mas não quis ficar: era meio porra louca, me confidenciou. Calixto é contador. E disse que tem muito contador em Cuba (não sei por que, pensei – contar o quê, se aqui circula pouca grana?). Mostrou-me o prédio onde mora: perto da Plaza de la Revolución. Meio ferradinho: bastante parecido com o edifício Rajá, aquele que tinha ali na Praia de Botafogo, alguém aí se lembra? Nos despedimos. E o velhinho ficou lá, puxando seus lambarizinhos, feliz com a vida que levava.
Amigo, por falar em cachorrada em Havana, a cidade de Santigo do Chile tem cães de rua, perros, aos montes. Bem, pelo menos uma coisa em comum as duas cidades tinham que ter. E pensar que antes de Pinochet dar o golpe em 1973, Allende recebeu Fidel aos pés da Cordilheira dos Andes.