Capa > Arte e Cultura > Diários de Havana I (10)

Diários de Havana I (10)

(10)

Partagás: “A Fábrica”

Fui à Partagás. Não gosto muito de visitar fábricas, mas uma de charutos é imperdível. Tem lá seus horários para visitas, com um guia em espanhol e outro em inglês. Perguntei se havia em português. Negativo. Acabei “escolhendo” inglês, já que minha disponibilidade de tempo nunca coincidia com os horários em espanhol.

Paga-se dez dólares, sem direito a outra coisa que não seja ver e ouvir. Mas é legal. Eles contam a história dos charutos, como é o treinamento do pessoal, informam as fábricas existentes em Cuba, por região, as diferenças de preço e sabor e só depois disso a gente entra no assunto. Quer dizer, na linha de produção.

Primeiro, as folhas. São cultivadas em regiões com características específicas de solo, clima e umidade. As melhores vêm de Piñar del Rio, ao sul da ilha. São escolhidas as que apresentam mais força, capacidade de combustão, maleabilidade e melhor aroma. Realmente, o cheirinho lá dentro era muito bom. E cada uma delas tem sua função no charuto. As de capa são diferentes das de miolo. E existem as folhas para os suaves – mais claras -, para os fortes – mais escuras -, para os pequenos, os grandes, os de consumo interno, os de exportação…

Passados os locais de tratamento dos diversos componentes, passamos aos enroladores. Que, pelo contrário, não “enrolam” nada. Trabalham pra caramba. Homens e mulheres atarefados, concentrados, só olham de esguelha os visitantes, sem interromper o serviço. Paramos para ver a execução do Esplêndidos. É um charuto grande, suave, não muito grosso, cheiroso. A dinamarquesa simpática, que fazia parte do grupo, pegou um deles nas mãos, revirou nos dedos com jeito de especialista, balançou a cabeça com ar de aprovação e me confidenciou: “são meus favoritos” (falou em inglês; achou pouco provável que eu soubesse dinamarquês). Era meio baixa, gordinha, simpática, com rugas leves nas covinhas do rosto, parecida com a Marília, lá do Rio, amiga da Elza e do Semog. Bem, parecida não como está agora, mas como ela vai ficar daqui a uns anos. Fiquei imediatamente fã dos Esplêndidos.

Passamos à seção dos Montecristos. O guia passou um tempão explicando o motivo de ser o preferido dos magnatas, do seu grande diâmetro intermediário, do fumo forte, das edições especiais, do formato de torpedo… Achei tudo muito psicanalítico e preferi ficar prestando atenção no Reader.

O Reader, ou Leitor, é um cara que fica num tablado e, durante o horário de almoço, lê clássicos da literatura mundial para os trabalhadores. Nesse dia, estava lendo “O Lobo da Estepe”, de Hermann Hesse. Achei interessante. Estava no final, os trabalhadores almoçavam rapidamente e iam se chegando para escutar. Evidentemente, a leitura era em espanhol, e os vícios burgueses que atormentavam o protagonista suscitavam disfarçados suspiros da platéia, não sei se de inveja ou de pena.

A pressão dos charutos, todos feitos a mão, é calibrada pelo próprio enrolador. Disseram, que, na Cohiba, cuja fábrica fica em outro local, o procedimento é diferente, mas não me disseram como é. Inclusive, os calibres e a forma de maturação das folhas não são os mesmos.

Perguntei se os trabalhadores fumavam os charutos que produziam e o guia informou que cada um tinha direito a certo número de unidades diário, que podia levar para casa ou fumar nos intervalos do serviço, mas acrescentou que a maioria preferia ficar com eles para vender. Como se fosse um bônus.

Disseram que, na última etapa havia um provador de charutos, que o fazia por amostragem. Mas não me levaram para ver. Fiquei querendo perguntar se ele tinha seguro contra câncer do pulmão, ou se tinham direito a um licorzinho antes das baforadas, mas achei que o guia não ia entender essa minha sadia preocupação com o bem-estar do provador.

Na saída, decidido a me tornar um fumante de charutos, resolvi comprar um isqueiro, um cortador e, evidentemente, alguns charutos. Aqui é que empaquei. Caríssimos. Perguntei por qual deveria começar. Os caras não têm muita paciência com neófitos. O vendedor, depois de me informar, surpreendentemente, que o isqueiro mais caro NÃO era o melhor, disse também que eu deveria escolher o charuto com o qual me desse bem. Tá legal, tenho então que experimentar todos? Fez muxoxo e foi atender outro cliente.

Fui salvo pelo guia, José Miller, que me sugeriu comprar os apetrechos e deixar os charutos por sua conta. Falou para eu passar lá em frente no dia seguinte – sua folga – às 13 horas e todos meus problemas charutários estariam resolvidos.

E assim fiz. Resolvi uns problemas, mas acabei criando outros, como narrarei posteriormente.

Check Also

Resenha – Além das Águas de Cor (Romance) – Glauciane Santos

Resenha ADADC glauciane

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

[ + ]