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Diários de Havana I (3)

(3)
Old Fashioned Style

Tenho um amigo em Brasília que é especialista em boteco. Melhor dizendo, bares e restaurantes. E em tudo relacionado: garçons, bebidas, charutos, comida… Pois ele ia se esbaldar aqui em Havana. O que mais tem são bares e restaurantes no velho estilo dos anos 40, 50… Herança de um tempo em que os escritores moravam em hotéis, de bebidas e garçons personalizados, instrumentistas e cantores ao vivo, olhos nos olhos, você escolhendo a música, romântica de preferência. O Hemingway tinha dois lugares preferidos: O Bodeguita del Médio e o La Floridita. Resolvi logo pagar pra ver. E como paguei!

Fui ao Floridita. Entrei meio cabreiro e, sem querer, fiquei ao lado do regional: celo, violão, bongôs gêmeos e um violino divinamente infernal (o Lúcifer não era um anjo?) nas mãos de uma neguinha magrinha, sorridente. Começaram com Vacilón (lembram-se? Vacilón, que rico Vacilón, Cha-cha-cha, que rico Cha-cha-cha… coisa do tempo que Dondon jogava no Andaraí), depois foram se modernizando (quer dizer, entrando nos anos cinquentas).

O ambiente era legal. Cara mesmo de bar. Esse f.d.p. do Hemingway tinha bom gosto. Um daiquiri de primeira qualidade. Tomei três, o último deles com licor de banana (esse, só mais ou menos). Mas os dois tradicionais são de tirar o chapéu: gelo bem picadinho, rum do bão, açúcar e marasquino. Canudinho curto, taça plana… O que eu pensava que sabia fazer era só rum, gelo picado, limão e açúcar. É isso, mas não é bem isso O dos caras aqui, além de feito com rum de primeira qualidade (o que nunca foi meu caso), tem esse negócio do gelo moído e do marasquino. E a proporção, só eles sabem. Essas diferenças fazem com que meu daiquiri e o deles sejam tão iguais quanto Lula e Fidel Castro. É. Sentiu?

Mas são fraquinhos. E caros! Quando pensava tomar o quarto (que era até onde meu orçamento ia), começando a ficar feliz e ladeado por aquela chusma de turistas europeus alheios a toda arte ambiente, vem a violinista perguntando se eu desejava alguma música em especial. Perguntei: Alma Llañera? Não, estava fora do repertório do grupo. Já pensando em sair, pedi La Paloma. Ela sorriu, voltou para o chiqueirinho onde estavam segregados e… cara, execução portentosa! Aquela inclinadinha de cabeça que o (a) violinista dá sobre o instrumento, olhando direto nos seus olhos… é de arrebentar. Dá um tcham de que a música está sendo tocada só pra você. “Cuando, sali de La Habana, valga me Dios!” Lembrei de Gabriela Ferri. No dia em que baixei a música na Internet, embevecido com sua interpretação, desconhecida para mim, entrei no Google para saber algo sobre esse alguém que dava um toque tão diferente ao centenário clássico. Pois não é que os jornais italianos noticiavam que na noite anterior ela tinha morrido, suspeitando-se de suicídio? Fico arrepiado só em pensar nisso. Que carma!

Desisti de ir embora. O La Floridita é genial. Aqueles balcões grandes, bem envernizados, prateleiras altas, cheias de garrafas de bebidas exóticas, barmen parecendo sempre ocupados. O garçom atende discretamente, não te enche o saco. O lugar é para beber e petiscar. Para comer há outro ambiente. E pode-se fumar.

Passei para o outro salão, pedi uma refeição cubana completa, incluindo licor, café e charuto. Bem, quanto à mesa e a sobremesa já vi (quer dizer, comi) melhores no Brasil, mas o complemento… Saí zoado, aliviado de substancial quantia de dólares, porém desbragadamente feliz. Eta, ferro, isso é que é vida!

Vou falar com meu amigo Rui que isso aqui é o seu ambiente! O único problema é que ele detesta Fidel Castro. E tudo relacionado com marxismo. Tenho que convencê-lo a não ser tão sectário. Afinal, as boas coisas que o capitalismo trouxe continuam preservadas aqui em Cuba.

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