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Diários de Havana I (7)

 (7)
Si, Mi Sueño

 

Adoro a maneira como as mulheres me tratam aqui. Mi amor, mi vida, mi sueño, mi cielo, cariño, mi delícia…. Da primeira vez houve um certo desentendimento: para fugir ao calor, entrei numa pracinha bastante arborizada, ali entre Mercaderes e Ofícios, e pedi permissão a umas coroinhas pra sentar no banco. A do meu lado, com cara de safada, respondeu: sí, mi vida. Olhei interessadamente para a cara dela, mas não se deu por achada, continuou conversando tranquilamente com a amiga. Fiquei lendo o Granma e, na saída, ela se despediu: tchau, cariño. Fiquei ouriçado, saí andando atrás delas, mas era como se eu nem existisse. Fiquei desiludido.

Dois dias depois fui comprar uns babilaques numa portinha perto da Calle Obispo: um porta-charutos, com fecho de correr, bem baratinho, e um jogo de porta-copos de madeirinha trançada, bem carinho. A baixinha gordinha veio, pegou mais na minha mão que na mercadoria e começou a me provar que estava tudo muito barato: sí, mi cielo, pra lá, si, mi amor pra cá…uns olhos afro-andaluzes grandes e penetrantes. Acabei levando. Só não comprei mais porque sou duro na queda. E, na saída, pega na minha mão com as duas, levanta-se nos calcanhares e me sussurra ao ouvido: gracias, mi vida… Quase enlouqueci.

Vitória me falou que esta maneira de se expressar é comum nas cubanas. Principalmente quando querem dar uma balançadinha no sexo frágil (o masculino).

Mas é difícil resistir. Já estou aqui há uma semana e ficando cada vez mais influenciável. Descobri que meu fraco são as negras retintas, falsas magras baixinhas, que trabalham no comércio. E parece ser uma tribo das que só tem aqui em Cuba.

Entrei numa lojinha da Rua Padre Varela para comprar umas cervejas (Padre Varela, parece nome de revolucionário). De sandália de dedos, bermuda e saquinho plástico na mão, se ficar calado passo bem por cubano. E de boné, porque cubano com esse meu cabelo grande, hoje em dia, só o Pablo Milanês. (É, aquele parceiro do Chico em Yolanda. Será que posso classificá-lo de “hoje em dia?”). Pedi umas Bucanero, a neguinha se interessou por mim e perguntou: será quantas horas? Mostrei o pulso sem relógio (ah, e tem de ser sem relógio!). Fui enfiando as lourinhas geladas no saco. Me perguntou se eu ia descer ou subir. Pensei comigo, é essa que vai tirar meu cabaço aqui em Cuba. Falei: voy para abajo. Ela que, rebolando e chupando um sorvete, já estava bem pertinho (cheguei a sentir seu calor), olhou-me com desconfiança: no és cubano (mais uma afirmação que uma pergunta). Tive de confirmar. Ela: turista? Yo: sí. Aí se desinteressou. É foda, toda mulher gostosa, fora do circuito comercial, sabe muito bem que turista não é meio de vida.

Sexto dia em Cuba. Cruzo o Paseo del Prado, pego a calçada da Rua San Raphael. Sete horas da noite. Passo em frente ao Salon Rojo. Entro. Meio vazio, uma coroinha magra e um cafetão, nas cadeiras acolchoadas diante do balcão. Noto um facho de luz vermelha vinda do andar de cima, de onde sai também uma musiquinha. Lugar meio sinistro. O cafetão vem me perguntar ansioso: una chica? beautiful girl… Achei aquilo uma furada. Fui saindo. Veio entrando uma garota. Meu estilo. Hi, Mister. Vamos fuck? Bem… Ela notou a indecisão e se animou. Pegou na minha mão. Levou ao rosto, pressionou e beijou com carinho. Vamos, mi cielo? Ojos negros, piel canela… Meio novinha. Fui saindo. Disse que não podia, tinha um compromisso. Ela: podemos fazer rápido. Eu: rápido não tem graça. Ela: então fazemos demorado, você que sabe. E meteu a boca na minha. Levei-a mais pro canto da rua. “Depois eu volto”, sussurrei no ouvidinho dela. Ela: “Pode me procurar, meu nome é My Darling”. Detestei a situação. O típico turista corrompendo tipicamente a típica prostituta adolescente. Dei umas esfregadas nela, de frente, pra não perder a viagem e, meio a contragosto, me escafedi.

Margarida, a porteira do cinema, cinquentona, deu-me uma cantadinha de leve. Disse que entrava de férias dia 15 e, se eu a convidasse, poderíamos sair pelai: Santiago, Matanzas. Achei-a meio prejudicadinha. O banheiro, uma merda. Aquelas mijadas naqueles mictórios que você fica em pé em cima deles. E da pia não saía água. O filme, “A Garota de Um Milhão de Dólares” (no Brasil, “Menina de Ouro”), estava para começar. Em inglês com legendas em espanhol. Dá pra entender bem. Interessante. Mas é o segundo filme mórbido que vi aqui. O outro foi 90 milhas, um vídeo pirateado, sobre uma família ampliada cubana – pai, mãe, mulher, cunhado, marido, filhos, netos – que tenta ir de Havana à Flórida num barco improvisado com câmaras de ar de automóvel. Morre quase todo mundo, só sobra um bebêzinho. Sinistro! (Ah, já falei dele? Aahn, é que fiquei muito mobilizado…)

Já com esperma saindo pelos ouvidos, fui dançar na Casa de la Música. Pupy Pedroso y Los que Son Son. Escolhi a sessão das 22 às 4, me embequei todo e fui pro pau! Rapaz, essa minha mania de acreditar em horário. Cheguei às dez e meia e o baile só começou à meia-noite. Você podia pagar em peso cubano ou em dólar, mas a sala era a mesma, a música era a mesma, a cerveja era a mesma, as mulheres eram as mesmas, só o tratamento é que era diferente: o turista chamava uma mulher pra dançar, vinham duas, o preço da cerveja, pro turista, era o dobro, e os cubanos abriam um olho deste tamanho quando viam você deslizando pelo salão com as coxas entre as da morocha sem perder o ritmo e o tesão. Porra, foi legal! Me senti o Rei da Noite. Saí pendurado com uma cubana de flor nos cabelos, vestido de anquinhas salpicado de margaridinhas, lábios vermelhos e bem entrada nos “enta”. Ah, esqueci de dizer: minha catexis objetal primária são mulheres fenecidas. Quer dizer, tenho o maior tesão por coroas!

Fomos pra casa dela. Uma daquelas casas de cômodo de Centro Havana, paredes descascadas, um banheiro para dez famílias, camas de mãe, tio, tia, prima, sobrinhos e netas separadas por varais cheios de roupa: calças, calcinhas, camisolas, bermudas, bonés, vestidos… Meio embalados pelo rum noturno, nos enredamos sem cerimônia numa caminha frágil, encostada numa parede idem. E ela: vem, mi sueño, mi delícia, mi vida… Vira pra lá, vira pra cá, caliça esfarinhando sobre minha bunda, um varal cai. Vou arrumar; cai, do outro, um tênis nas minhas costas (eu disse Tênis, não vai confundir). Mas, afinal, Cuba deságua sob mim, gemendo. E eu sobre ela. Enfim…

Manhã. Infelizmente, sou um cara que acorda cedo. O menininho de calça curta passa por mim devagarinho. Acho que vai ao banheiro. Quando volta, vou por onde ele foi. O banheiro é surpreendentemente limpo. Bom, é limpo, mas a tampa tá bem derrubadinha, a descarga é daquelas antigas, de alavanca, que está frouxa. O chão quebrado, mas debaixo do chuveiro tem um cheirinho saudável. Achei que devia comprar alguma coisa pro café da manhã. Um cara na porta, fumando. Perguntei onde tinha uma padaria.  Ele Diz: “vou contigo”. Lá, eu: “quantos pães?”. Ele: trocentos. Achei exagerada a quantidade. E ele, “vamos ali comprar leite?”. Eu pagando. Comprei também manteiga e pó de café. Na volta, ele foi prum cubículo e fez café e ferveu o leite. Achei muito a quantidade que ele fazia.. Perguntou se eu podia sair pra comprar açúcar. Fui. Quando voltei, vi que nada tinha sido muito. Umas quinze pessoas comendo e bebendo. Inclusive minha namorada. Sentamos numa outra cama para comer. De braço dado. Senti que tinha entrado pra família ampliada. O cara não exagerara mesmo nas compras. Em meia hora os pães e o café-com-leite foram detonados. Saí de lá quase que ovacionado.

Falei com Rosa – esse o nome dela – mais umas vezes, mas nunca mais voltei ao seu reduto. Acreditem, na última vez que a vi, cheguei a perguntar como é que faziam pra tomar café da manhã quando eu não estava lá. Deu-me uma resposta desaforada, como quem diz, acha que sem você todo mundo vai morrer de fome? E perdeu a consideração que acreditei tivesse por mim.

Depois disso, fiquei refletindo. É, tem que respeitar, não é assim que se tratam os outros, não. Fui recebido como da família e agi como se todo mundo ali fosse mau-caráter, só porque gastei uns dez dólares na comunidade. É, tem que respeitar, a coisa não é assim, não. Presta atenção, Lawa!

 

 

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