“Não há em lugar algum caminho fácil para a liberdade, e muitos de nós teremos que atravessar o vale das sombras da morte, dia após dia, antes de alcançarmos o topo da montanha de nossos desejos.” (Nelson Mandela)
Nós, negras e negros do Brasil, unidos no projeto político de um Estado que seja reflexo da nação pluriétnica e multicultural que constituímos, DECLARAMOS:
O Brasil é um país pluriétnico e multicultural, formado a partir da invasão de europeus, em terras originalmente pertencentes aos povos indígenas, e desenvolvido por meio do trabalho de negros e negras sequestrados da África em navios negreiros e submetidos à escravização. Desde sua origem, o Estado brasileiro se apropriou e vem transferindo todos seus recursos financeiros e patrimoniais para classes políticas e grupos econômicos herdeiros dos colonizadores e dos senhores de escravizados, mantendo na miséria parcela significativa da sua população, majoritariamente formada pelo povo negro e povos indígenas;
São negros e negras a maioria absoluta da população carcerária, das vítimas do genocídio com foco no extermínio da juventude, dos moradores em habitações precárias, sem saneamento básico, dos sem-teto, sem-terra, população de rua, subempregados, idosos sem amparo, das crianças e adolescentes em situação de risco e das vítimas da violência policial e de todos os tipos de opressão;
A baixa qualidade da educação, o péssimo atendimento à saúde, a persistência das doenças endêmicas, a precariedade dos transportes, os entraves ao acesso a bens culturais, ao lazer, a má alimentação popular, o desrespeito aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana e a suas manifestações religiosas, têm como alvos principais os moradores de territórios vulneráveis, constituídos de negros e indígenas;
O racismo, o preconceito e a discriminação, predominantes no Estado e disseminados na sociedade brasileira, contribuem para a perpetuação das injustiças e desigualdades, impedindo que o Brasil se torne, efetivamente, uma Nação pluriétnica e multicultural. Nenhum dos poderes da República ou esfera governamental tem adotado medidas eficazes para reverter a situação. Visto que a riqueza financeira e patrimonial do País é proveniente do trabalho de todas as etnias que o compõem, são necessárias novas formas de representatividade e de organização do Estado, com o Poder Nacional compartilhado por todos os estratos étnicos e culturais da população, para que essa riqueza seja redistribuída em favor dos excluídos;
A igualdade para o exercício de direitos e acesso a oportunidades implica o reconhecimento pelo Estado brasileiro da dívida histórica existente e reparação dos prejuízos por ele causados a seu povo. Praticamente toda riqueza do Brasil foi acumulada a partir das receitas auferidas com o tráfico negreiro, a comercialização dos africanos e a exploração do trabalho do escravizado negro. A Organização das Nações Unidas — ONU, em sua Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelece a imprescritibilidade dos atos considerados como Crimes contra a Humanidade e o dever de reparação pelo ente causador. A Declaração da Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e formas correlatas de Intolerância, organizada pela ONU e realizada em setembro de 2001, na África do Sul, com participação brasileira, reconhece que o tráfico transatlântico de seres humanos da África e a subjugação do africano a trabalho escravo são Crimes da História, configurando Crimes contra a Humanidade e, como tal, imprescritíveis e sujeitos a Reparação;
O Estado brasileiro é responsável por negar o direito de equidade aos ex-escravizados, ao conceder indenização financeira, paga pelo Fundo de Emancipação de Escravos, aos proprietários que os “vendiam” à Coroa Imperial e ao subvencionar, por mais de quarenta anos (1888 a 1930), o transporte marítimo, terrestre e o assentamento de imigrantes europeus em terras brasileiras. A vinda desses trabalhadores em substituição à mão-de-obra escravizada — deixada ao desamparo — tinha como objetivo o branqueamento do País, no anseio governamental de construir uma nação uniétnica. Esse tratamento iníquo configura crime continuado do Estado brasileiro, já que tais medidas contribuíram significativamente para a situação de exclusão social em que se encontra o povo negro desde aquela época até os dias atuais;
Dado que a riqueza nacional tem origem na exploração da mão-de-obra, no genocídio racista do povo negro e dos povos indígenas, e na expropriação de seus territórios e recursos naturais, fato que vem se repetindo com as comunidades quilombolas, exigimos garantia imediata, irrestrita, de seus direitos territoriais, culturais e civis, reintegração de posse das áreas tradicionalmente ocupadas por essas comunidades, bem como apoio a seu desenvolvimento, com a utilização dos recursos econômicos, políticos e humanos que se fizerem necessários;
e CONCLAMAMOS o povo negro, os povos indígenas e demais povos que constituem a Nação Brasil à luta por um Poder Nacional compartilhado.
ORGANIZAÇÃO PARA A LIBERTAÇÃO DO POVO NEGRO OLPN