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Reparação – Origem e História

Símbolo da Reparação

REPARAÇÃO – ORIGEM E HISTÓRIA

Yedo Ferreira
Dezembro de 2014

I – Reparação

Origem

A reparação, palavra de definições diversas, formulada como conceito de nome , surgiu no ano de 1648, na Europa, ao término da Guerra dos Trinta Anos, que durante seu longo tempo envolveu grande número de países do continente, embora o destaque maior seja dos dois principais litigantes: a Espanha e a França.

Nesse ano de 1648, pela primeira vez na História, o final de uma guerra na Europa foi discutido entre os beligerantes, numa reunião chamada de Conferência de Paz.

Essa Conferência de Paz não se realizou de uma só vez, mas em outras conferências de menor importância, em locais e datas diferentes. A primeira, em 1648, na cidade de Vestfália, cidade alemã, e a última, em 1659 — portanto onze anos depois — nos Pireneus, na Suíça.

Os beligerantes, nas conferências desse período, se propuseram a firmar tratados nas decisões acordadas entre eles — uma providência que, como outras mais até então, não tinha sido adotada. Também a partir dessa data a palavra reparação, como expressão do pretenso direito que o vencedor dizia ter sobre o vencido, vai se formular como conceito, sendo a reparação de guerra este primeiro conceito.

Assim, as conferências de paz passaram a tratar as reparações de guerra colocando em tratados suas decisões nas formas de resoluções, deliberações e declarações, sendo esta última forma de uso recente, adotada apenas ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

Ainda na Conferência dos Pireneus, Suíça, a França propôs indenizar em dinheiro a Espanha — fato inédito na época — constituindo este ato, ao que se sabe, o primeiro na Europa. Mais tarde o vencedor das guerras passou a exigir do vencido que lhe fosse paga em dinheiro a reparação que ele exigia. Em outras palavras, que a reparação também pudesse realizar-se em dinheiro.

O curioso neste fato, em que a França efetuou pagamento em dinheiro à Espanha como reconhecimento de um direito adquirido, é que nas guerras seguintes tal prática acabou se generalizando, e os vencedores sempre exigiam dos vencidos que sua reparação acontecesse em dinheiro, titulado este ato de indenização pecuniária punitiva.

A prática de pagamento em dinheiro, como exigência do vencedor ao vencido, ao término das guerras que aconteceram entre nações-estados do ocidente, registrou a sua última aplicação no final da Primeira Guerra Mundial (1914/1918).

II – A História

A reparação como conceito constituiu, durante cerca de trezentos anos (1648/1948), apenas matéria de pós-guerra e tratada nas conferências de paz como reparação de guerra.

Na primeira Grande Guerra (1914/1918) foram punidas a Alemanha, a Áustria e a Hungria, com uma reparação pecuniária que acabou por levar os três países a falência. Tal indenização pecuniária punitiva, depois de quase três séculos aplicada com rigor aos derrotados, nas muitas guerras que aconteceram na Europa, representou, pela última vez, a imposição de indenização pecuniária em favor de vencedores nas guerras entre nações do ocidente.

Ao ser previsto o final da Segunda Grande Guerra (1939/1945), as nações que terminaram como grandes vencedoras (Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido) organizaram uma série de conferências e reuniões de chefes de Estado e de Governo, sendo as mais importantes a de Ialta e a de Teerã; em algumas delas, a Reparação de Guerra figurava como a principal pauta de discussão e negociação.

Quanto à indenização pecuniária punitiva da Primeira Grande Guerra, na Segunda, as nações vencedoras — menos o Reino Unido, os Estados Unidos e a União Soviética — impediram que pagamento em dinheiro fosse exigido às nações derrotadas, no caso, a Alemanha, a Itália e o Japão. Entretanto, fatos trágicos ocorridos durante o conflito contra povos e populações não beligerantes, o Holocausto dos judeus, por exemplo, fizeram que a indenização pecuniária não fosse abolida.

De acordo com a decisão da Assembleia das Nações Unidas, em 1948, mediante certa quantia em dinheiro, pagamento efetuado pela Alemanha como indenização pecuniária, os judeus de nações da Europa foram reparados pelo Holocausto que sofreram, além do direito a possuir um território, o que ocorreu com a fundação do Estado de Israel, na Palestina.

Na Ásia, a reparação para povos e segmentos étnicos não beligerantes também aconteceu, mas não em indenização pecuniária. Entre os beneficiados, encontram-se algumas etnias de ilhas do Oceano Pacífico que, por terem sido submetidas a trabalho escravo no cultivo de arroz para alimentar os soldados japoneses, exigiram do Estado do Japão — e foram atendidas — transferência de tecnologia no cultivo do arroz e reserva de mercado para o arroz que produzissem.

Numa daquelas conferências realizadas ao término da Segunda Grande Guerra, a de São Francisco, Califórnia, Estados Unidos, em junho de 1945, a Organização das Nações Unidas foi fundada. Sua Carta constitucional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, teve como base a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, da Revolução Francesa, de 1789, e a Declaração de Independência da Virgínia, Estados Unidos, em 1763. A carta foi aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948.

Nesta Assembleia Geral da ONU, determinados atos trágicos foram tipificados como crimes e declarados crimes contra os Direitos Humanos e, por conseguinte, crimes contra a humanidade. Neste caso, encontram-se os atos e ações declarados crimes de guerra e crimes contra a paz, considerados imprescritíveis, devendo ainda ser reparados.

Uma vez em vigor a Declaração Universal dos Direitos Humanos, atos e ações trágicos, cometidos contra povos ou camada da população, ou mesmo coletivo humano, definidos por critérios reconhecidos internacionalmente, e sendo considerados crimes por assembleia ou conferência das Nações Unidas, e ainda, declarados crimes contra a humanidade, está decidido que os mesmos têm de ser reparados.

Neste caso encontram-se o tráfico transatlântico de seres humanos da África, a submissão à escravidão desses africanos traficados e a submissão à servidão do africano na África, definidos como crimes da História, declarados crimes contra a humanidade pela III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância correlata, organizada pela ONU, no ano de 2001, na cidade de Durban, na África do Sul.

Crimes contra a humanidade vêm definidos a seguir.

– Crimes de guerra:

Violações de leis, isto é, de convenções internacionais e de costumes de guerra, incluindo maus-tratos na deportação de população civil, assassinatos ou tratamento desumano de prisioneiros de guerra ou pessoas no mar. Assassinato de reféns, saques desenfreados e destruição desnecessária.

– Crimes contra a paz:

O preparo, a iniciação e o empreendimento de guerras de agressão em violação de tratados ou garantias internacionais e a participação num plano comum ou conspiração para esta finalidade.

– Crimes de ódio:

Racismo e genocídio contra povo (etnia) ou segmento social de determinada população e práticas de atos desumanos por motivo político, étnico, racial ou religioso; como assassinato, extermínio, escravidão, deportação e discriminação, contra coletividade ou indivíduo, em razão de modo de ser, agir e sentir.

Crimes da História:

Tráfico transatlântico de seres humanos da África, submissão dos mesmos a trabalho escravo e ao colonialismo, como trabalho servil do africano, além do genocídio dos povos ameríndios.

Reparações especiais (fora do comum)

A reparação fora do comum, ou indenização especial, é assim considerada por não ter sua decisão aprovada em conferência ou assembleia das Nações Unidas, fóruns internacionais onde são comuns declarações e resoluções a respeito de reparação.

A reparação especial, embora menos frequente, aconteceu em determinado momento da história do ocidente, quando aquele que exige a reparação negocia com o Estado a maneira pela qual deve ocorrer sua reparação. Em alguns casos a reparação especial se confunde com outra forma de indenização, chamada compensação.

Nas muitas conferências que aconteceram nos dois últimos séculos, o dezenove e o vinte, para ficar apenas nos dois, uma só forma de reparação se viu adotada ao término das guerras que ocorreram no ocidente – Europa e Estados Unidos: a reparação de guerra.

Assim, desde a Conferência de Viena/Áustria, em 1819, ao final das guerras napoleônicas, a reparação, isto é, a reparação de guerra, esteve sempre em debates; em reuniões secretas — no caso em que o objetivo dos vencedores consistia em repartirem entre si o território e demais bens materiais dos vencidos. Essas “expropriações” aconteciam em reuniões abertas, tituladas de conferências de paz, quando nações, povos ou segmentos de uma população determinada (mulheres, por exemplo) não beligerantes — que não tiveram participação ativa no conflito, mas aliados do vencedor — demonstravam interesse em exigir do vencido direitos que acreditavam ter. Este fato (de aliados do vencedor), caso dos judeus do Holocausto — aconteceu nas conferências de paz realizadas ao término da Segunda Grande Guerra, em 1945.

Neste sentido, a reparação — em particular a reparação de guerra — sempre esteve nas discussões ao término de conflitos de guerra entre nações no mundo ocidental. Contudo, neste mesmo período histórico ressaltado, reparações fora do comum aconteceram.

Em 1825 tem início o pagamento em dinheiro feito pelo Haiti à França, como reparação, que pelo seu aspecto, fora do comum, denomina-se reparação especial.

No ano de 1811, o exército Francês enviado ao Haiti pelo Imperador Napoleão Bonaparte fora derrotado pelo General Dessalines e outros, promovendo, com esse feito histórico, a Independência do Haiti.

O Governo Francês que sucedeu Napoleão Bonaparte, derrotado na batalha de Waterloo, depois preso na Ilha de Elba e posteriormente morto, não reconheceu a libertação dos escravos do Haiti, ao se proclamar sua independência , e “exigiu como Reparação de Guerra”, o pagamento de 150 milhões de francos-ouro ou 21,7 bilhões de dólares (dívida corrigida para os dias atuais) pelas propriedades perdidas dos escravocratas franceses.

Antes mesmo de exigir a astronômica indenização em dinheiro do Haiti, a França decretara o boicote a esse país, contando com a conivência das potências colonialistas da Europa e também dos Estados Unidos, levando, desta maneira, o Haiti a ficar por mais de 40 anos sem manter relação com qualquer país do mundo e tivesse seu desenvolvimento econômico estancado.

De modo curioso, esse pagamento de reparação de guerra, como indenização pecuniária punitiva, constitui uma reparação ao inverso. Trata-se de um fato político inédito, sendo a indenização pecuniária paga integralmente e durante 112 anos, de 1825 a 1937, pelo Haiti a uma França vencida, em uma guerra travada entre ambos, na qual o Haiti saiu vencedor.

Este ato infame da França contra o Haiti contou com apoio das nações mais importantes da Europa, presentes no Congresso da Paz, realizado em Viena, Áustria, em 1815, no qual se achavam em debate as reparações da guerra travada entre a França de Napoleão Bonaparte e outras nações europeias.

O mais curioso ainda é que, neste Congresso de Viena, as nações europeias condenaram solenemente o tráfico negreiro transatlântico como “repugnante ao princípio da humanidade e da moral universal”. Sobre o trabalho escravo, ou seja, a escravidão do negro, não se ouviu nem se escreveu nenhuma palavra de condenação.

Nos dois séculos passados e no período histórico destacado, indenizações fora do comum ocorreram, de reparação e compensação, onde uma se confundia com a outra. Mas são os Estados Unidos o melhor exemplo para que a indenização especial e a confusão que se estabelece entre reparação e compensação possa melhor se explicar.

A compensação ocorre quando o vencedor/opressor reconhece direito do vencido/oprimido e se predispõe indenizar o oponente. A reparação é um caso inverso, uma vez que é o vencido/oprimido que exige do opressor/vencedor reparação por direito que acredita ter.

Em vista de que, nos dois casos, interesses vão se opor, o lógico ou mesmo sensato é a negociação que deve se estabelecer entre os oponentes, fato que nem sempre ocorre quando se trata da compensação.

O caso em pauta tem o Estado como responsável pela indenização, quer seja compensação ou reparação, e na relação que é estabelecida ele se encontra sempre na condição de vencedor/opressor.

Os Estados Unidos configuram, sem dúvida, a nação onde se encontram inúmeros exemplos sobre indenização fora do comum, compensação como política de Estado, o opressor, e a reparação como política do oprimido: povos, camada popular.

Nos Estados Unidos, no ano de 1865, chega a seu final a Guerra da Secessão, e a escravidão é abolida. O vencedor da Guerra, o presidente Abraham Lincoln, reconhecendo os males da guerra para os Estados Unidos, para recuperar a economia dos estados do sul do país, derrotados neste confronto armado, decide indenizar os proprietários de escravizados, alegando que os mesmos, com a abolição do trabalho escravo, perderam suas propriedades humanas, os escravizados.

Os escravizados que lutaram na Guerra da Secessão sob o comando do General Sherman, contando com o mesmo como seu intermediário junto ao presidente da República, propuseram, como reparação pelo Governo, “40 acres de terra e uma mula” (40 acres, aproximadamente 16 hectares). Esta proposta de indenização, como direitos iguais ao de seus antigos proprietários e modesta em relação à que eles receberam, foi vetada pelo presidente Andrew Johnson, substituto do presidente Abraham Lincoln, então assassinado.

O caso mais incrível de indenização simultânea ocorreu com os Estados Unidos nos anos que sucederam ao término da segunda Guerra Mundial, em 1945.

Ao determinar que uma rendição incondicional fosse imposta ao Japão — e esse fato realmente aconteceu, com a bomba atômica em Hiroxima — os Estados Unidos encontraram-se em situação de vencedor implacável e nesta condição impuseram uma reparação de guerra severa, quando bens materiais do Japão e territórios foram envolvidos.

A outra face da mesma moeda ocorreu dentro do próprio Estados Unidos, com descendentes de japoneses, porém cidadãos norte-americanos que, durante a guerra, ficaram confinados em campos de concentração no estado da Califórnia, prisioneiros do Governo americano.

Nos anos que sucederam o final da guerra, com o movimento dos ex-prisioneiros condenado às medidas adotadas pelo governo americano, sendo os mesmos cidadãos dos Estados Unidos, e não tendo prova alguma de ações contra o país, o Governo decidiu indenizá-los com a quantia de 26.000 dólares cada, por considerar como uma boa retribuição pelo que sofreram. Esse é um caso emblemático de pagamento como política compensatória. Assim, aparenta ser correto escolhermos os Estados Unidos como exemplo de nação onde ocorrem, de uma maneira normal, os casos de indenização como reparação ou compensação.

Ao que se sabe, os Estados Unidos são talvez a única nação no mundo onde vem atuando, permanentemente, um órgão público que traz no titulo sua função, Fundo de Reserva para Reparações, o FRR.

O Fundo de Reserva para Reparações foi criado por meio de Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América antes mesmo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembleia das Nações Unidas em 1948. Durante sua existência, tem negociado reparação — reparação na categoria de reparação fora do comum ou indenização especial — com base num conceito próprio de reparação, assim formulado: “Ato de indenizar do mal ou danos feitos a um determinado grupo de um segmento étnico ou camada social ou ainda a um povo ou sociedade civil”.

Neste sentido, nos Estados Unidos a reparação, nos termos do conceito do FRR, é um direito coletivo.

Assim sendo, e com base no seu conceito de reparação, o Governo dos Estados Unidos negociou com indígenas do Alasca, em 1988, e eles receberam a título de reparação — não se tem em mãos o tipo de “males ou danos feitos” — um bilhão de dólares e mais 44 milhões de acres de terra por meio do tratado com o título de Ato de Pagamento de Reclamações de Nativos do Alasca.

O ensinamento adquirido com a abordagem dos diferentes aspectos que envolvem a reparação, como conceito de exigência de indenização para descendentes de escravizados, não só do Brasil, mas também os da Diáspora Africana que habitam as Américas, são importantes para balizar suas lutas, respeitando-se as diferenças que existem em cada nação. Esses ensinamentos, com certeza, hão de politizar a questão e formar consciência para que a exigência por reparação seja realizada e sustentada com uma luta política transformadora consequente.

A dúvida que sempre aparece quando são empregadas as palavras reparar e compensar, ou mesmo, reparação e compensação, não mais pode existir, na medida em que, uma vez formuladas como conceito — e assim devem ser empregadas — não há como insistir que expressam as mesmas ideias.

A definição de (re)compensar como “dar a alguém algo cujo valor e importância são considerados boa retribuição a sofrimento”, é mais apropriada para expressar política de Governo/Estado ao “dar a alguém algo”, como cotas para negros, “cujo valor e importância são considerados” pelo Governo administrador do Estado político, “boa retribuição a sofrimento” aos negros e negras submetidos por décadas a preconceito e discriminação raciais.

Desta forma, então, reparação e compensação, uma vez formuladas como conceitos, não expressam as mesmas idéias. A definição de reparação é “ato de indenizar, reparar um povo, por uma determinada condição que lhe fora imposta a força”. As igrejas cristãs dos Estados Unidos afirmam a reparação como direito coletivo, além de veículo para “construir a identidade de povo para a massa negra da população” em substituição à identidade étnica perdida dos seus antepassados pelo tráfico transatlântico e pela escravidão, à qual estiveram durante séculos subjugados.

Como aqui ficou demonstrado, reparação e compensação, como conceitos são os mesmos formulados, com base em definições diferentes.

Assim, no ano de 1659, ao final da Guerra dos Trinta Anos, na Conferência dos Pireneus, Suiça, o rei da França Luiz XIV se propõe indenizar com 500.000 escudos de ouro o rei da Espanha, Felipe IV, afirmando, com o que foi chamado a Paz dos Pireneus, o fim do estado de beligerância entre as duas nações.

Nos Estados Unidos, no ano de 1867, o Presidente Abraham Lincoln, se propôs a indenizar financeiramente — e assim foi feito — os proprietários de escravos dos estados do sul pela perda de seus escravos que foram libertados, depois que eles, fazendeiros, foram derrotados na Guerra da Secessão ao enfrentarem a União, contra a abolição da escravidão.

Ainda nos Estados Unidos, nos anos 40/50 do século XX, o presidente Harry Truman decidiu indenizar os cidadãos norte-americanos de origem japonesa com a quantia de 26.000 dólares, por terem os mesmos sidos confinados em campos de concentração, na Califórnia, por ordem do Governo, durante os anos da Segunda Guerra Mundial, quando o Japão era inimigo dos Estados Unidos.

A referência a esses fatos históricos é para que se possa entender que essas três indenizações pecuniárias não são reparação do ponto de vista conceitual, mas sim compensações, uma vez que foi fixado, pelo Rei da França Luiz XIV, pelo presidente Abraham Lincoln e pelo presidente Harry Truman, “o valor e importância considerados como uma boa retribuição” a ser paga aos oponentes, nos termos em que a compensação é definida.

Como melhor explicação, tem-se que a indenização pecuniária paga pela França à Espanha, a rigor, é uma compensação de guerra , e a indenização pecuniária nos Estados Unidos, paga pelo presidente Abraham Lincoln aos fazendeiros dos estados do sul do país terminada a Guerra da Secessão, e pelo presidente Harry Truman aos cidadãos norte-americanos de origem japonesa feitos prisioneiros do Governo americano durante a Segunda Guerra Mundial, são, a primeira, a dos fazendeiros, uma compensação de guerra, dado que, à época, os Estados Unidos eram – e se mantêm, ainda que em parte – uma confederação de estados políticos e, sendo assim, cada um deles se constituía como Estado soberano e de poder político. Por conseguinte, em caso como estes a indenização pecuniária paga aos fazendeiros dos estados do sul pelo presidente Abraham Lincoln, não pode ser considerada política de Estado/Governo para cidadãos do Estado, e muito menos política compensatória. O mesmo não se pode afirmar no caso dos ex-prisioneiros de origem japonesa, uma vez que a indenização pecuniária que receberam é, a rigor, uma compensação do Estado/Governo norte-americano como política compensatória para seus cidadãos.

A indenização pecuniária negociada entre o Estado norte-americano e uma nação indígena do Alasca — nação por ser apenas constituída com povo e território, sem estado político — pode, esta sim, ser considerada reparação, porém, como reparação fora do comum.

Outro caso de reparação fora do comum ocorreu no Canadá, no início dos anos 80 do século XX, onde uma das nações indígenas teve seu território invadido por posseiros, com perda de vida humana. Depois de anos de negociação entre governo e a nação indígena, finalmente, no ano de 1991, foram reparados com assinatura de um tratado. Então, o Governo do Canadá — que não tem Estado, é uma nação com autonomia administrativa, subordinado a Coroa Inglesa — procedeu à indenização; parte em ajuda financeira e parte com a construção de uma universidade, que os indígenas exigiram.

Assim é que a História da reparação — salvo a reparação de guerra como imposição do vencedor —, a rigor, é a história de povos ou segmentos de população que pelos “males ou danos sofridos”, ou os que seus ascendentes sofreram, travam luta política para serem indenizados como um direito de justiça, por eles reconhecido e exigido.

A ajuda financeira e a construção da universidade que os indígenas do Canadá negociaram como sua reparação é um reforço ao pronunciamento do Doutor Ron Walters, na Primeira Conferência Pan-Africana sobre Reparações pela Escravização Africana, Colonização e Neocolonização, organizada pela OUA, atual União Africana e realizada na cidade de Abuja, na Nigéria, em abril de 1993. Ali, o renomado líder e cientista político afro-americano afirmou que “a reparação, como indenização, pode ser por meio de quaisquer bens materiais”, portanto, não necessariamente ser indenização em dinheiro.

Como, à época, Chefe do Departamento de Ciências Políticas da Haward University, dos Estados Unidos, e também membro da Comissão de Reparação da OUA-Organização da Unidade Africana, o Doutor Ron Walters, com seu pronunciamento, não deixou nenhuma dúvida de que a , indenização aos povos africanos na África e aos povos negros da Diáspora Africana, é mais uma questão relativa ao conceito daquilo que, a juízo de cada povo, tem de ser sua reparação.

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